Expressando o não expresso: A construção interacional da verbalização no contexto das sessões de psicoterapia

A sessão de psicoterapia permanece como um exemplo de atividade ocupacional não-estudada (cf. Labov & Fanshel 1977, Ferrara 1994). A psicoterapia envolve auxiliar os clientes a examinar uma questão a partir de um novo ângulo; isto é realizado principalmente através do discurso, fazendo da psicoterapia uma “cura pela fala”

Por Richard Erskine e Joanna Pawelczyk

Tradução: José Silveira Passos e Pedro Ribeiro – Rio de Janeiro – verão de 2008.

A sessão de psicoterapia permanece como um exemplo de atividade ocupacional não-estudada (cf. Labov & Fanshel 1977, Ferrara 1994). A psicoterapia envolve auxiliar os clientes a examinar uma questão a partir de um novo ângulo; isto é realizado principalmente através do discurso, fazendo da psicoterapia uma “cura pela fala”. Este artigo descreve como o psicoterapeuta – através da investigação fenomenológica – permite ao cliente verbalizar aspectos significativos de si mesmo, aspectos que talvez nunca tenham sido verbalizados ou, se o foram, nunca receberam uma resposta empática de um ouvinte interessado.

Este artigo mostra como estratégias de comunicação e formas de linguagem específicas assumem valor terapêutico no contexto discutido, destacando que a função comunicativa não é pré-ordenada, mas sim ativamente construída no discurso. Os dados para este projeto de pesquisa foram coletados a partir de gravações de áudio de sessões reais de terapia conduzidas entre agosto e outubro de 2004. Essas gravações documentam a aplicação prática da abordagem da Psicoterapia Relacional, baseada em categorias de métodos como, entre outros, investigação [inquiry], sintonia [attunement], envolvimento [involvement] (Erskine, Moursund, & Trautmann, 1999).

PALAVRAS-CHAVE: psicoterapia relacional, discurso da psicoterapia, análise de conversação, verbalização

Introdução

A psicoterapia constitui um processo de auto-revelação no qual os clientes descobrem facetas deles mesmos, desvelando experiências anteriormente inconscientes ou não-consideradas. Através da psicoterapia, os clientes modificam sua auto-percepção e novas possibilidades relacionais são disponibilizadas, permitindo a mudança comportamental. A investigação fenomenológica do psicoterapeuta, representada por um conjunto de estratégias sensíveis ao contexto (por exemplo, marcadores de discurso, repetições) leva à verbalização do “não-expresso” do cliente, isto é, experiências sobre as quais ele nunca falou abertamente nem revelou verbalmente para alguém.

A verbalização do não-expresso não funciona no contexto da psicoterapia como uma mera expressão dos eventos passados. Pelo contrário, possui todo o potencial para ser performativa (cf. Austin 1962). Na psicoterapia, a verbalização da experiência fenomenológica do indivíduo torna a experiência anteriormente inconsciente ou não-expressa em uma entidade material acessível ao contato intrapessoal e interpessoal (Frosh, 1997; Staemmler, 2004).

Este artigo examina as estratégias comunicativas para induzir a verbalização da experiência dos clientes no seu ambiente mais endêmico, isto é, o contexto das sessões de psicoterapia. Contudo, a verbalização, embora seja tipicamente caracterizada pelos contextos do discurso íntimo (psicoterapia apresentando a sua forma quase hipertrofiada), parece desempenhar um papel crucial na auto-compreensão do indivíduo através dos vários contextos de comunicação do cotidiano, já que verbalizar é trazer à existência a própria experiência ao partilhá-la com um ouvinte interessado. O discurso da psicoterapia, os padrões lingüísticos e as estratégias comunicativas utilizadas em interações entre o cliente e o psicoterapeuta no contexto da sessão de psicoterapia não atraíram atenção substancial da parte de lingüistas no contexto social. Esse descaso é bastante paradoxal, já que, em todas as quase 400 formas de psicoterapia existentes até o presente momento (Bongar & Beutler 1995), o ingrediente terapêutico primário é fornecido através do diálogo. Russel afirma que “Hoje em dia, a idéia de que o discurso de um clínico é útil na facilitação de mudanças no cliente é um tanto contestada, assim como a idéia de que o discurso dos clientes pode ser um indicador útil do seu bem-estar psicológico” (1987: 1). Um número de pesquisadores, notavelmente Gaik (1992), Kiesler (1973), e Russel & Stiles (1979) destacam uma série de motivos para explicar a falta de pesquisa e/ou as suas deficiências. De acordo com Gaik (1992), o principal problema está relacionado com o número de abordagens para realizar psicoterapia (cf. a dita frase eclética, Gaik 1992: 272), tornando praticamente impossível propor uma análise abrangente desse discurso (Friedlander 1984: 335). Small e Manthei (1986) referem-se a “muitas terminologias concorrentes, fornecidas pelas várias teorias específicas” como um obstáculo para a descrição da terapia em “termos gerais” (395).

Em segundo lugar, a natureza altamente afetiva de tais interações psicoterápicas (cf. o gênero do discurso íntimo, Gerhardt & Stinson 1995: 630), ligada às questões de confidencialidade e coleta de dados, forma um desafio. Gale (1991: IX), também declara que a terapia baseia-se na idéia de que “cada pessoa é uma exceção e que não há sessão típica”. Contudo, apesar das numerosas abordagens à terapia, a sua meta pode ser descrita de modo bastante uniforme como “fazer com que as pessoas vejam as coisas de novos ângulos” (Gale 1991: IX); assim, os pesquisadores devem procurar como a meta, isto é, a auto-transformação de um cliente (cf. Gerhardt & Stinson 1995: 635), é realizada lingüisticamente. Em outras palavras, deve-se explorar “através de vários contextos terapêuticos” como a psicoterapia é lingüisticamente realizada e contextualmente alcançada. Ainda assim, mesmo tendo em vista os obstáculos identificáveis para uma análise abrangente, é cada vez mais importante investigar o discurso da psicoterapia por pelo menos três motivos. Primeiro, um número cada vez maior de pessoas está procurando auxílio psicoterápico. Segundo, a psicoterapia continua sendo um evento marcado pela fala “e tem o poder de evocar a atividade terapêutica em conversas comuns” (Gaik 1992: 73, também cf. Lakoff 1980). Em terceiro lugar, Cameron (2000) refere-se à terapia, ou antes à terapia/qualidades terapêuticas como um dos elementos definidores do modelo atual de comunicação: “parece ser verdade que os materiais de treinamento de técnicas de comunicação utilizam o conhecimento especializado produzido principalmente dentro dos campos da psicologia e terapia” (2000: 46). Além disso, as “técnicas e valores terapêuticos” tendem a ser atualmente aplicáveis em uma série de contextos comerciais, por exemplo, centrais de atendimento (cf. Cameron 2000; Kielkiewicz-Janowiak e Pawelczyk 2004), onde o modelo preferido de comunicação acarreta uma grande dose de “trabalho emocional” (cf. Taylor e Tyler 2000). Cameron (2000) refere-se a Giddens (1991: 180) que descreve a terapia como “metodologia de planejamento de vida”, claramente demonstrando a importância do autoconhecimento e da compreensão – os elementos chave da terapia – no planejamento e realização de uma vida bem-sucedida no mundo pós-moderno. Resumindo, a multifacetada “cura pela fala” saiu do consultório e entrou em uma variedade de outros contextos, cujos agentes (geralmente com pouco ou nenhum treinamento como psicoterapeutas) aproveitam-se de modo eclético e seletivo do seu discurso (cf. a tecnologização do discurso de Fairclough, 1989, 1992). Ainda assim, o ponto comum de todos os contextos potencialmente divergentes de avaliação para valores ou habilidades terapêuticas é a importância de verbalizar a própria experiência.

Verbalização
A função da investigação fenomenológica do psicoterapeuta é “simbolizar, transformar, e exibir uma série de experiências do nosso passado – o que fizemos, o que aconteceu conosco – em episódios, eventos, processos e estados representados lingüisticamente” (Schiffrin 1996: 168). Em 1942, Carl Rogers reconheceu que uma das características mais significativas de qualquer tipo de terapia é “a liberação do sentimento”, isto é, a verbalização dos “pensamentos e atitudes, aqueles sentimentos e impulsos carregados emocionalmente, que se centralizam em volta dos problemas e conflitos do indivíduo” (131). Embora “liberação do sentimento” possa assumir uma forma não-verbal, aqui a verbalização refere-se apenas à experiência que foi expressa verbalmente. Rogers alegou um papel bastante ativo para o psicoterapeuta no processo da “liberação do sentimento”. O psicoterapeuta está em uma posição para adotar vários métodos e técnicas, capacitando o cliente a uma expressão livre das atitudes emocionais. Como Staemmler (2004: 49) observa, “o indivíduo sente-se satisfeito e fica com a impressão que foi compreendido totalmente” só depois de compartilhar seus próprios significados pré-existentes com outra pessoa. Segue-se daí que declarar, abertamente e em voz alta, ao outro aquilo que atravessamos nos ajuda a compreender a experiência. Além disso, Staemmler atribui a verbalização à natureza dialógica humana, que faz com que a interpretação e a compreensão da própria experiência sejam satisfatórias apenas quando são criadas conjuntamente através da troca empática. Isso concorda com Bakhtin (1986) que igualmente afirma que: “… só me tornei capaz de ser eu mesmo me revelando ao outro, através do outro e com a ajuda do outro”. Taylor (1992: 36) leva essa noção adiante ao afirmar que a auto-compreensão depende muito de compartilhar os próprios sentimentos verbalmente com os outros. A conceitualização de Taylor também toca no aspecto da identidade do indivíduo como existindo apenas em referência a outros com quem a experiência é compartilhada: “mesmo como o adulto mais independente, há momentos quando não posso esclarecer o que sinto até que eu fale sobre o assunto com certo(s) parceiro(s) especial(ais), que me conhece(m), ou que possui(em) sabedoria, ou com quem tenho afinidade… É neste sentido em que não é possível ser um indivíduo por conta própria. Eu sou um indivíduo apenas em relação a certos interlocutores” (Taylor 1992: 36). Nomear uma situação já vivenciada traz essa situação para a consciência a facilita a sua identificação (Stubbs 1997: 371). É desnecessário dizer que a linguagem e as estratégias de comunicação aparecem com destaque no processo de verbalizar a própria experiência, e portanto no processo de reparar, estabilizar ou melhorar um senso de Si-mesmo. Como foi muito bem colocado por Mercer (2000: 1), nós utilizamos a linguagem para pensarmos juntos, assim como para tirar sentido a experiência e resolver problemas coletivamente. Contudo, esta função da linguagem, como uma ferramenta para realizar nossas atividades intelectuais e emocionais, de modo geral não costuma ser desvalorizada.
Cameron (2000) refere-se à verbalização da experiência do indivíduo na produção de uma narrativa coerentemente satisfatória, para uma maior eficiência e autenticidade na comunicação. É nesse ponto onde a verbalização e a psicoterapia se encontram no processo incessante de vocalizar e integrar várias experiências do passado e do presente em uma narrativa consistente. O clichê comum, “não fique guardando para si seus sentimentos” significa que “falar é bom porque ‘desarma’ estados interiores explosivos” (Cameron 2000: 157). Como resultado, pode-se concluir que existe uma difundida consciência popular da importância de não apenas sentir certas emoções e experiências mas, de modo mais importante, ativamente verbalizá-las. Em suma, a verbalização da experiência do indivíduo para uma outra pessoa significativa, que escuta ativamente e fornece uma resposta empática, esclarece e valida as próprias emoções. Tal diálogo psicoterápico traz as emoções e as experiências reprimidas para a consciência.

Verbalização e histórias de “saída do armário”.
O processo de verbalização da própria experiência e da construção simultânea de uma nova faceta da própria identidade pode ser ilustrado de modo pertinente com as ditas histórias de “sair do armário”, típicas de uma declaração aberta do próprio alcoolismo, homossexualidade, ou de uma história de abuso emocional ou sexual. No diálogo terapêutico, a verbalização, como um ato de auto-revelação, não só indica um ato de compartilhar a própria experiência com um ouvinte interessado mas também possui um potencial de reparar, estabilizar e/ou aperfeiçoar o senso de bem-estar de uma pessoa, isto é, de ser performativa (cf. Austin 1962, Barret 2002). Segundo Chirrey (2003), sair do armário pode assumir duas formas: admitir para si mesmo a própria experiência, emoção ou identidade (onde é tipicamente considerado um processo psicológico interno) e também comunicar essa identidade, emoção ou experiência para outra pessoa. O segundo tipo é intrinsecamente vinculado a uma ação verbal – verbalização a própria experiência fenomenológica, como afetos interiores, fantasias, expectativas ou sensações corporais. Contar a própria história pessoal pode criar uma nova identidade para o falante, para o ouvinte ou para ambos. Por exemplo, a apresentação de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos (por exemplo, “Meu nome é Bill e eu sou um alcoólatra”), a identidade da pessoa é estabelecida para si mesma e para o grupo. O mesmo processo ocorre na psicoterapia quando um cliente pode finalmente “sair do armário” para o terapeuta, falando sobre o abuso sexual ou físico que recebeu na infância. A resposta empática do terapeuta facilita expressões subseqüentes da narrativa do cliente (Erskine 1993). Como afirma Chirrey (2003), não é possível sair do armário por meio de outros sistemas semióticos, e só a verbalização aberta permite que indivíduos homossexuais, alcoólatras ou que foram molestados na infância, criem um novo aspecto de sua identidade. Ela dá o exemplo de Fran, que acreditava que a sua mãe sabia que ela era lésbica, mas não considerou que havia saído do armário para sua mãe até ter verbalizado a sua homossexualidade. Deste modo, os indivíduos apresentam para o ouvinte envolvido uma nova identidade fenomenológica e senso de Si-mesmo. Isso é compatível com Foucault (1978), que acredita que é o ato de nomear a “homossexualidade”, o “alcoolismo” ou o “abuso” que o traz para a existência. Em outras palavras, uma afirmação e reconhecimento abertos da própria homossexualidade, dependência química ou depressão é um ato verbal, contanto que seja aceito e reconhecido pela expressão de empatia verbal e emocional do ouvinte. Em suma, a investigação fenomenológica e a subseqüente verbalização das emoções, fantasias, memórias ou identidade, podem ser performativas, já que permitem a emergência, substanciação e possível aceitação dos sentimentos e identidade de uma pessoa. “Sair do armário”, portanto, é um ato verbal que não só descreve a identidade do falante, como também traz o novo Eu para a existência.

Verbalização e psicoterapia
Expressão emocional, a formação da identidade, a verbalização do anteriormente não-expresso e histórias de saída do armário são igualmente o resultado de um diálogo íntimo na psicoterapia. No ambiente psicoterápico, a verbalização constitui o mais essencial – até mesmo definidor – ato verbal, sem a qual a psicoterapia perde a sua função primária, isto é, trazer uma postura auto-reflexiva para revelar material emocional problemático, com o intuito de compreendê-lo de maneira nova (Gerhardt e Stinson 1995) e possivelmente mudar o comportamento. Como Russel (1987) afirma, Breuer e Freud foram os primeiros terapeutas a notar o peso da verbalização dos estados emocionais: “o processo físico que originalmente ocorreu deve ser repetido do modo mais vívido possível; ele deve ser trazido de volta para o seu status nascendi e então ser pronunciado verbalmente” (1981: 7). Nas numerosas abordagens psicoterápicas, os clientes são encorajados a verbalizar as suas experiências adotando uma posição auto-reflexiva. Em outras palavras, um cliente é convidado a escrutar os seus pensamentos, sentimentos, fantasias, motivações e comportamentos (cf. Bruner 1990; Erskine, Moursund & Trautmann, 1999). No processo dos fenômenos de verbalização dos fenômenos internos do cliente – muitas vezes facilitados pelo terapeuta – o interno é manifestado externamente e torna-se mais real, parte do diálogo do relacionamento terapêutico (Frosh 1997; Staemmler 2004). A verbalização da experiência fenomenológica redefine o relacionamento entre as partes em interação, tornando a interação íntima- um elemento da psicoterapia relacional. No contexto da psicoterapia, o cliente é encorajado a vocalizar – e assim a verbalizar – uma experiência traumática ou problemática para o terapeuta, deste modo revelando-a para si mesmo, freqüentemente pela primeira vez na vida. Então, pode ser afirmado que, nesse contexto, as verbalizações da experiência para si e para outra pessoa (o terapeuta) costumam se sobrepor. De fato, a terapia bem-sucedida envolve a investigação fenomenológica do terapeuta, que auxilia o cliente a trazer de volta para a consciência o que estava inconsciente: o pensamento não-expresso, o afeto nunca verbalizado, a fantasia interrompida, ou a experiência negada intencionalmente.

A psicoterapia fornece bastante espaço para a compreensão errônea do terapeuta de verbalizar as suas experiências internas. Essa combinação equivocada no contexto da psicoterapia constitui um “erro terapêutico” (Guistolise 1997). É no processo da identificação e correção das sintonias terapêuticas errôneas pelo terapeuta que muitas vezes as experiências mais significativas fenomenologicamente podem ser expressas verbalmente (Moursund e Erskine 2004: 192-5). Além disso, a combinação errônea potencial de como o material verbalizado é compreendido pelo cliente e pelo psicoterapeuta pode ser trabalhada pelas duas partes, tendo em vista a natureza dialógica da psicoterapia.
Em suma, a meta da verbalização na terapia, como foi afirmado por Labov e Fanshell (1977: 32), é motivar os pacientes à introspecção e à descoberta de aspectos cada vez mais profundos do Si-mesmo. A psicoterapia é um “…esforço para re-simbolizar, para colocar em palavras aquilo que não foi ou não pode ser dito” (Frosh 1997: 76 ). Conseqüentemente, as estratégias comunicativas de um terapeuta – uma exemplificação dos seus valores, investigação fenomenológica, sintonia e envolvimento – exercem um papel crucial para ajudar os clientes na descoberta e exploração do caráter único de quem são, tanto internamente quanto no relacionamento com outros.

A Psicoterapia relacional
Nos últimos 25 anos, uma grande mudança de paradigma ocorreu no campo da psicoterapia, onde agora o foco da terapia é um relacionamento de contato entre o cliente e o terapeuta. Essa mudança de paradigma ocorreu em várias abordagens da psicoterapia, seja a psicanálise contemporânea, a psicologia do Self psicanalítica, a Psicoterapia Integrativa, a Análise Transacional ou a Terapia Gestalt. Mesmo muitos psicólogos comportamentais-cognitivos atualmente reconhecem a importância de um relacionamento interpessoal eficiente como uma base para a mudança comportamental do cliente. Uma revisão da literatura da psicologia do desenvolvimento e da psicoterapia revela que o conceito mais consistente é o do relacionamento – tanto nos primeiros estágios da vida quanto por toda a idade adulta (Erskine 1989). Um relacionamento interpessoal pleno em termos de contato é a fonte que oferece significado e validação para o indivíduo.
Uma importante premissa da psicoterapia relacional é que necessidade do relacionamento constitui uma experiência motivadora primária do comportamento humano, e que o contato é o meio através do qual essa necessidade é satisfeita. O contato ocorre interna e externamente; ele envolve uma consciência total das sensações, sentimentos, necessidades, atividade motora, pensamentos e memórias que ocorrem dentro do indivíduo e um movimento rumo à consciência total dos eventos externos do modo como são registrados por cada um dos órgãos sensoriais. O contato também se refere à qualidade do contato entre duas pessoas: a consciência de si e do outro, um encontro sensível e um reconhecimento autêntico da própria identidade. Um princípio orientador de uma psicoterapia relacional orientada pelo contato é o respeito do terapeuta pela integridade do cliente. Através do respeito, generosidade e compaixão, um terapeuta estabelece um relacionamento interpessoal que fornece a afirmação de tal integridade. Esse respeito pode ser descrito como um convite consistente ao contato interpessoal entre o cliente e o terapeuta, com suporte simultâneo para que o cliente entre em contato com a sua própria experiência interna e receba reconhecimento externo dessa experiência. O recuo diante do contato pode muitas vezes ser identificado e discutido, mas o cliente nunca é forçado, aprisionado ou enganado para ter um grau maior de abertura do que aquele que ele está preparado. O contato entre o cliente e o terapeuta é o contexto terapêutico no qual o cliente explora os seus sentimentos, necessidades, memórias e percepções. O contato interpessoal fornece a segurança que permite ao cliente abaixar as defesas, sentir novamente, lembrar-se e contar a sua história de vida em um diálogo com um ouvinte interessado, preocupado e psicologicamente informado. A psicoterapia eficiente é um diálogo criativo e interpessoal, baseado no respeito do terapeuta pelo processo único de comunicação do cliente, o que Carl Rogers (1951) chamava de “consideração positiva incondicional”. Esse respeito, ou consideração positiva incondicional, é demonstrado através da investigação, sintonização e envolvimento do terapeuta.

Investigação fenomenológica
A investigação é um foco constante em uma psicoterapia relacional voltada para o contato. Ela começa com o pressuposto de que o terapeuta não sabe nada sobre a experiência do cliente e, portanto, precisa continuamente se esforçar para compreender o significado subjetivo do comportamento e do processo intrapsíquico do cliente. O processo de investigação requer que o terapeuta esteja aberto para descobrir a perspectiva do cliente, enquanto o cliente simultaneamente descobre o seu senso de individualidade com cada uma das perguntas ou afirmações conscientizadoras do terapeuta. Como resultado de uma investigação respeitosa da experiência fenomenológica do cliente, o cliente torna-se cada vez mais consciente das necessidades, sentimentos e comportamentos atuais e arcaicos. Afeto, pensamentos, fantasia, crenças básicas, movimentos ou tensões corporais, esperanças e memórias que foram ocultadas da consciência devido à falta de diálogo ou pela repressão psicológica podem vir à consciência. Com um aumento na consciência e com o relaxamento das defesas psicológicas, necessidades e sentimentos que possam ter sido fixados e deixados sem resolução devido a experiências passadas agora podem ser expressos através de um diálogo interpessoal.

Deve ser observado que o processo de investigação é tão importante, ou mais, do que o conteúdo. A investigação do terapeuta deve ter empatia com a experiência subjetiva do cliente para ser eficiente na descoberta e revelação dos fenômenos internos (sensações físicas, sentimentos, pensamentos, significados, decisões, esperanças e memórias) e na descoberta das interrupções no contato de origens internas e externas. A investigação envolve focalizar de modo constante a experiência de afeto, motivação, crenças ou fantasia do cliente, e não apenas o comportamento ou um problema a ser resolvido. Tal investigação fenomenológica exige o interesse genuíno do terapeuta na experiência subjetiva do cliente e na sua construção de significados. A investigação fenomenológica prossegue com perguntas sobre o que o cliente está sentindo, como ele ou ela vivencia a si mesmo e aos outros (incluindo o psicoterapeuta), e quais significados e conclusões são alcançados. Com uma investigação sensível e respeitosa, os clientes vão revelar fantasias anteriormente reprimidas e dinâmicas intrapsíquicas fora da consciência. Isso fornece tanto ao cliente quanto ao terapeuta uma compreensão sempre crescente de quem é o cliente, das experiências que ele teve, e quando e como ele interrompe contato.

A investigação pode incluir uma exploração de conflitos intrapsíquicos e atuações inconscientes de experiências da infância, e continua com perguntas históricas sobre quando uma experiência ocorreu e a natureza dos relacionamentos significativos na vida da pessoa. Através da investigação, exploramos as crenças básicas do cliente e os comportamentos relacionados, fantasias e experiências reforçadoras (Erskine e Zalcman 1979). De acordo com o bem-estar clínico do cliente, o terapeuta pode integrar experimentos de Gestalt-terapia, contratos de mudança comportamental, psicoterapia corporal, terapia intensiva de figuras paternas introjetadas, ou regressão em termos de desenvolvimento (Erskine e Moursund 1988). Através de uma combinação dessas técnicas de ampliação da auto-consciência e da respeitosa investigação do terapeuta, experiências que no passado foram necessariamente excluídas da consciência podem novamente ser lembradas no contexto de um relacionamento terapêutico de alto envolvimento. Com memórias, fantasias ou sonhos vindo à consciência, a investigação do terapeuta pode voltar à experiência fenomenológica do cliente ou seguir adiante para abordar as estratégias de ação do cliente, isto é, uma investigação sobre as interrupções do contato de origens internas e externas.

Sintonia
A sintonia é um processo de duas partes: ela começa com a empatia – isto é, ser sensível e identificar-se com as sensações, necessidades e sentimentos da outra pessoa – e a comunicação dessa sensibilidade à outra pessoa. Mais do que a simples compreensão ou introspecção vicária, a sintonia é uma sensação sinestésica e emocional do outro – conhecer o seu ritmo, afeto e experiência metaforicamente estando na sua pele, indo assim além da empatia para fornecer um afeto recíproco e/ou resposta de ressonância. Sintonia é mais que empatia: é um processo de comunicação e unidade do contato interpessoal. A sintonia eficiente também exige que o terapeuta simultaneamente permaneça consciente do limite entre o cliente e terapeuta, assim como dos seus próprios processos internos. A sintonia é facilitada pela capacidade do terapeuta de antecipar e observar os efeitos do seu comportamento no cliente e descentralizar-se da sua própria experiência para focar extensivamente o processo do cliente.

A comunicação da sintonia valida as necessidades e sentimentos do cliente e estabelece as fundações para reparar os fracassos dos relacionamentos anteriores. A sintonia é comunicada não só pelo que o terapeuta diz, mas também por movimentos faciais ou corporais que sinalizam para o cliente que os seus afetos e necessidades são percebidos, são significativos e têm um impacto sobre o terapeuta.
A sintonia muitas vezes é vivenciada pelo cliente à medida que o terapeuta move-se gentilmente pelas defesas que impediram a consciência de fracassos de relacionamento anteriores e as necessidades e sentimentos relacionados. A sintonia facilita o contato com memórias há muito esquecidas. Com o tempo, isso resulta em uma diminuição das interrupções internas de contato e uma dissolução correspondente das defesas externas. As necessidades e sentimentos podem ser expressos de um modo cada vez mais confortável e com a garantia de que receberão uma resposta caracterizada pelo cuidado e empatia. Freqüentemente, o processo de sintonia fornece um senso de segurança e estabilidade que permite que o cliente comece a lembrar-se e a suportar uma regressão terapêutica às experiências de infância que podem trazer uma maior consciência da dor de traumas passados, fracassos em relacionamentos passados e a perda de aspectos da individualidade. O processo de sintonia pode ser categorizado de acordo com a ressonância e reciprocidade necessárias para o contato-no-relacionamento. Essa sintonia pode realizar-se de acordo com o ritmo, nível de desenvolvimento e a natureza do afeto ou necessidade relacional do cliente.

Envolvimento
O envolvimento é melhor compreendido através da percepção do cliente; é uma sensação de que o terapeuta está aberto para o contato. Ele evolui a partir da investigação empática da experiência do cliente realizada pelo terapeuta, e desenvolve-se através da sintonia do terapeuta com o afeto do cliente e da validação das necessidades do cliente. O envolvimento é o resultado do fato do terapeuta estar totalmente presente, com e para o cliente, e de um modo apropriado para o nível de desenvolvimento do cliente. Ele envolve um interesse genuíno no mundo intrapsíquico e interpessoal e uma comunicação do que interessa através da atenção, investigação e paciência. O envolvimento começa com o compromisso do terapeuta com o bem estar do cliente e com o respeito pela experiência fenomenológica do cliente. O contato interno e interpessoal é possibilitado quando o cliente vivencia que o terapeuta: 1/ respeita o seu modo de ser, até mesmo as suas defesas; 2/ permanece sintonizado com os afetos e necessidades do cliente; 3/ é sensível ao funcionamento psicológico na idade de desenvolvimento onde ele ou ela pode estar psicologicamente preso(a); 4/ está interessado em compreender o modo como o cliente constrói o significado de suas experiências de vida. O envolvimento terapêutico que inclui o reconhecimento, normalização, validação e presença facilita o contato interno e externo.

Sumário
Uma psicoterapia de relacionamento, orientada para o contato e centrada na investigação, sintonia e envolvimento, responde às necessidades atuais do cliente através de um relacionamento capaz de fornecer proteção emocional de caráter reparador e sustentador. A meta de uma psicoterapia orientada para o relacionamento é a integração de experiências carregadas de afeto e a fragmentação psicológica e reorganização intrapsíquica das crenças nucleares fixadas do cliente sobre si mesmo, os outros e a qualidade de vida.

Um princípio orientador desta psicoterapia interativa e orientada pelo contato é o respeito à integridade do cliente. Através do respeito, generosidade, compaixão e da persistência no contato, o terapeuta estabelece uma presença pessoal e facilita um relacionamento interpessoal, afirmando a integridade do cliente. Os métodos de psicoterapia utilizados baseiam—se na crença de que a cura psicológica ocorre primariamente através do contato interpessoal do relacionamento terapêutico. Com tal cura psicológica, a pessoa pode encarar cada momento com espontaneidade e flexibilidade para resolver os problemas da vida e relacionar-se com as pessoas.

CONSTRUÇÃO DA VERBALIZAÇÃO NAS SESSÕES DE PSICOTERAPIA


Dados e métodos de análise

Os exemplos utilizados para a análise vêm do acervo (65 horas) de sessões de psicoterapia gravados durante o trabalho de campo em workshops de psicoterapia no verão e outono de 2004. O material gravado foi transcrito tendo como foco tanto a expressão vocal quanto o conteúdo interacional (ver as convenções de transcrição na p. 27). De acordo com a alegação de Schiffrin (1987: 68), todos os exemplos apresentados e discutidos abaixo não se baseiam em uma única ocorrência da estratégia investigada: eles constituem instâncias representativas dos padrões típicos encontrados em todo o acervo. Ao mesmo tempo, como a análise tratou apenas do próprio contexto da psicoterapia, as funções citadas das estratégias comunicativas discutidas deve ser interpretada em termos de contabilidade seqüencial (cf. Schiffrin 1987: 69). A análise utiliza extensivamente os métodos da Análise de Conversação [Conversational Analysis], já que eles provaram ser eficientes na explicação de estratégias comunicativas e práticas de conversação aplicadas em contextos psicoterápicos (cf. Hutchby 2002, Vehviläinen 2003, Antaki et al. 2005, Pudlinski 2005). A introdução teórica à análise também foi influenciada pelos insights da pragmática.
Como já foi sublinhado, a verbalização do “não-expresso”, isto é, a liberação de alguns aspectos da experiência, geralmente em conexão com emoções contidas, constitui a tarefa mais importante do terapeuta nas suas interações com clientes. É o aspecto mais significativo, ainda meramente preliminar, mas mesmo assim uma etapa absolutamente necessária para que o cliente facilite a sua mudança pessoal tão esperada. Bruner (1990) refere-se às realizações, atos e experiências do indivíduo em geral como aspectos do “eu agente” [agentive self]; de modo similar, Gerhardt e Stinson (1995) falam sobre aspectos do ego experiencial [experiential self]. Essas são facetas significativas da individualidade que precisam ser abordadas pelo cliente com o auxílio de um terapeuta. Uma vez que tenham sido reveladas, essas facetas tornam-se uma entidade material (Frosh 1997) ou um material manifesto (Staemmler 2004), passível de trabalho terapêutico. Como foi confirmado pela pesquisa de Erskine et.al. (1999), entre as oito necessidades relacionais inerentes a todos os relacionamentos humanos, estão as necessidades de validação, auto-definição e ter um impacto sobre a outra pessoa. Quando essas necessidades relacionais recebem uma resposta na psicoterapia, um indivíduo pode expressar com maior prontidão os aspectos da personalidade que não foram expressos anteriormente.
O material analisado das sessões de Psicoterapia Integrativa mostra que a auto-revelação, isto é, verbalização, pode ser iniciada de três maneiras principais, sendo que cada uma delas exige o envolvimento ativo de um terapeuta. A primeira, que constitui o tema deste artigo, é o uso de estratégias comunicativas que redefinem e dão início à verbalização dos clientes. A segunda e a terceira são chamadas de ‘investigação fenomenológica’ (cf. páginas 8-9) e “priming the pump” [expressão que significa “encorajar”, “estimular”, “incentivar”; na tradução utilizaremos “incentivar”, entre aspas] são o tema de um futuro artigo. Investigações fenomenológicas são perguntas sobre a experiência subjetiva, tais como “o que você está sentindo?” ou “como foi para você?”. “Incentivar” é um estímulo aberto fornecido pelo terapeuta que amplifica as emoções do cliente ou seus pensamentos incompletos, tais como “diga-lhe por que você está tão zangada” ou “diga o que mais você precisa”. “Incentivar” exige que um trabalho de interação muito direta seja realizado pelo terapeuta, já que os incentivos propostos constituem um desafio interacional imediato que precisa ser completado imediatamente, ou haverá uma quebra no fluxo da conversa.
O tema deste artigo são as estratégias comunicativas que levam a uma maior verbalização do cliente. Contudo, nós chamamos o processo de indireto por dois motivos principais.
Em primeiro lugar, ao contrário de “investigação fenomenológica” e “incentivar”, o cliente não é incentivado diretamente a completar os pensamentos iniciados e de conclusão aberta; em vez disso, o terapeuta confia nas estratégias de comunicação empregadas pelo cliente para obter a verbalização. Em segundo lugar, o significado interacional e a função dessas estratégias são redefinidas pelo terapeuta (no contexto das sessões de psicoterapia) para que elas possam agir como gatilhos de verbalização. Conseqüentemente, as suas funções tornam-se sensíveis ao contexto, mas marcadas em termos de interação. Aqui, o uso do marcador de discurso you know [você sabe], o uso de repetições e investigação orientada para você serão discutidos.

Marcadores de discurso e “você sabe”
Um dos gatilhos de verbalização mais importantes utilizados pelo terapeuta nas interações com clientes é o marcador de discurso (ou partícula pragmática) você sabe ou a sua variante eu não sei.
Embora os marcadores de discurso (MDs) sejam utilizados para indicar relação entre unidades de discurso, criando assim uma coerência dentro da vez de um orador, a atual discussão vai concentrar-se na função do marcador de discurso você sabe como um indicador do relacionamento entre a fala de um orador e a resposta de outro (cf. Schiffrin 1985). Marcadores de discurso geralmente caem sob duas divisões principais. Uma delas foi proposta por Redeker (1990), que divide os MDs em conectivos ideacionais e includentes e advérbios temporais em conectivos ideacionais e includentes e advérbios temporais (por exemplo, e, enquanto isso, agora), e pragmáticos com MDs como: oh, tudo bem, bem. Redeker afirma que os MDs ideacionais tendem a ser utilizados entre estranhos, enquanto que os pragmáticos aparecem de modo proeminente em conversas entre amigos. Jucker e Smith (1998), por outro lado, propõem a divisão entre MDs de recepção e apresentação. De acordo com este paradigma, os marcadores de recepção, por exemplo, ah, sim, ok, são tipicamente aplicados em interações entre estranhos, onde um maior retorno é necessário da parte dos ouvintes em relação a como estão incorporando as novas informações. Os marcadores de apresentação, por exemplo. tipo, você sabe, bem, tendem a prevalecer nas conversas entre amigos como “o orador está melhor equipado para fornecer conselho sobre como processar as suas palavras, e essa informação está codificada em marcadores de apresentação” (Fuller 2003: 26). Apesar de tentativas diferentes de classificar MDs, o recurso mais constitutivo dos MDs é que eles são opcionais, no sentido que “a segmentação informacional do argumento permaneceria intacta sem os marcadores” (Schiffrin 1987: 51). Em outras palavras, o aspecto opcional dos MDs manifesta-se no fato de que eles não mudam as condições de verdade das proposições nas frases que enquadram (Schourup 1999: 232). Muito embora MDs não sejam obrigatórios nas orações, eles executam um grande trabalho interacional (cf. Fuller 2003), e podem ter múltiplas funções, tornando essa estratégia de conversa altamente sensível ao contexto. Um desses marcadores de discurso é você sabe. O significado literal, e portanto referencial, desse MD implica a sua função em estados de informação. Contudo, os estudiosos tendem a concordar que você sabe cria foco na informação que ela enquadra, e não sugere que o ouvinte saiba o que está sendo dito. Como Fuller (2003) concluiu, você sabe é freqüentemente utilizado em contextos onde o ouvinte é claramente exposto a novas informações (cf. também Fuller 1998 e Brinton 1990). Schiffrin (1987) oferece uma discussão muito elaborada sobre as funções de você sabe. Ela afirma que você sabe de fato marca estados de informação, mas tende a ser utilizado para apresentar novas informações que o orador deseja que sejam aceitas pelo ouvinte (cf. também Östman 1981). O uso de você sabe pretende ganhar o envolvimento do ouvinte em uma interação, já que este MD “parece estar marcando algum tipo de apelo do falante para o ouvinte em busca de consenso” (Schiffrin 1987: 54). O autor propõe que você sabe significa um alinhamento do falante/ouvinte na conversação (1987: 54). Schiffrin também declara que os contornos de entonação atribuídos a você sabe refletem uma diferença pragmática na certeza do falante sobre o conhecimento do ouvinte. De acordo com Schiffrin (1987: 291), você sabe com uma entonação ascendente é um sinal de menos certeza sobre o conhecimento compartilhando entre o falante e o ouvinte em comparação com você sabe com uma entonação descendente (cf. Bolinger 1982). Outros pesquisadores investigando este MD através de numerosos contextos, adotando assim a abordagem da responsabilidade distributiva [distributional accountability] (cf. Schiffrin 1987: 69), propõem funções adicionais para você sabe. Ele e Lindsey (1998) argumentam que o MD investigado aumenta a ênfase da informação enquadrada por ele. Schourup (1985), por outro lado, alega que o significado fundamental de você sabe é “verificar a correspondência entre o significado pretendido pelo orador e o estado de informação do ouvinte” (Fuller 2003: 27). Holmes (1986) conclui que não há como atribuir uma função única para o uso de você sabe: “não há dúvida sobre o fato de que você sabe pode ser utilizado primariamente para solicitar uma confirmação do destinatário. Contudo, pode ser igualmente utilizado como um “sinal de intimidade” e uma estratégia de polidez positiva, expressando solidariedade ao generosamente atribuir conhecimento relevante ao ouvinte” (1986: 18). Embora numerosos estudos tenham focalizado as funções pragmáticas de você sabe, a questão de como essas funções aparecem através de vários contextos sociais ainda não foi suficientemente abordada (cf. Fuller 2003: 25).

Freed e Greenwood (1996) descobriram que, embora a ocorrência de você sabe seja endêmica ao contexto da conversa, os sujeitos dos seu estudo aplicavam esse marcador de discurso com mais freqüência no tipo de conversa chamada pelos autores de “conversa atenciosa” [considerate talk]. Nesse tipo de conversa, os sujeitos estavam voltados para o tópico da amizade. Freed e Greenwood atribuíram o maior uso de você sabe pelos sujeitos neste contexto discursivo ao seu envolvimento consciente em falar um com o outro, alem da natureza do próprio assunto. Então, pode ser concluído que conversas (extremamente) íntimas (isto é, contexto íntimo) ocasionam um uso maior de você sabe. Conseqüentemente, podemos levantar a hipótese de que as práticas de conversação da psicoterapia devem ser abundantes em marcadores você sabe, já que os clientes compartilham com o terapeuta os aspectos mais íntimos, isto é, pessoais, das suas vidas. Precisamente, até mesmo uma olhada rápida nos diálogos cliente-psicoterapeuta provam esta hipótese. Contudo, em uma análise mais cuidadosa baseada no discurso, emerge uma importante diferença qualitativa entre dois tipos de você sabe. A diferença-chave está no fato de que, enquanto o primeiro tipo pode ser chamado de modo geral como um elemento de estilo de envolvimento elevado, o uso do segundo tipo, de modo mais importante, leva à verbalização do cliente algumas de suas perturbadoras experiências de vida.

A função do primeiro tipo de você sabe produzido pelos clientes pode ser interpretada como uma estratégia de construção de intimidade. A partir das funções de você sabe discutidas acima, esse MD pode parecer redundante como uma estratégia para apresentar novas informações que o orador (cliente) deseja que o ouvinte (terapeuta) aceite devido à regra de “consideração positiva incondicional” [unconditional positive regard] (cf. Rogers 1952). Além disso, o uso de você sabe para ganhar o envolvimento do ouvinte deve ser excluído, já que o terapeuta está ciente de como é importante o seu envolvimento constante com o que o cliente está dizendo (cf. a discussão acima). O primeiro tipo de você sabe como estratégia de construção de intimidade tende a preceder um pensamento ou idéia potencialmente ameaçador ou traumático que está prestes a ser revelado pela cliente:

Extrato 1 (C- cliente; T- terapeuta)
1 C Na noite de sexta-feira >depois< das apresentações, várias pessoas foram até você para um ABRAÇO,
2 e meu primeiro pensamento foi “UAU, quero isso também”, fiquei com bastante inveja >para falar a verdade3 notei que no sábado e ontem eu comecei a me proteger contra esse pensamento, dizendo ‘ 4 não:: , outras pessoas precisam disso ma::is que você, você realmente precisa ? disso para quê?’, e (1.0) você
5 sabe, essa é a ARmadura (1.0) também.
6 (.3)
7 T “outras pessoas precisam mais disso” é um tema muito típico que o filho mais velho de uma família costuma
8 dizer para desqualificar os próprios desconfortos.
No extrato 1, um material novo e terapeuticamente significativo segue-se a você sabe. O exemplo mostra como você sabe é seguido por um elemento que torna-se o vínculo temático da sessão (a armadura). Você sabe no exemplo acima é justaposto com uma pausa (1.0) que significa que o pensamento a ser revelado pela cliente é de importância crucial na sua experiência. A metáfora da armadura descreve de modo pertinente as reservas da cliente quanto ao fato dela merecer alguma afeição, e está ligada semanticamente ao material que a precede. O terapeuta envolvido e sintonizado com o cliente instantaneamente reconhece a importância da metáfora e fornece uma explicação confortadora, como demonstrado no próximo exemplo:

Extrato 2
1 C >Eu não sei2 coisa ?maravilhosa, mas eu não poderia fazer isso, (1.0) você sabe (1.0) >como uma transa de uma noite3 conhecer um pouco alguém, se é uma boa ? pessoa=
4 T = você parece romântica para mim.
Você sabe significa que algo importante está prestes a ser produzido pelo cliente. De modo similar ao extrato 1, a muito esperada referência ao que a cliente quer dizer com isso (isto é, transa de uma noite) também é acompanhada por uma pausa, aumentando a importância do pensamento verbalizado. A apreensão da cliente ao definir o que significa isso é transferida no pensamento verbalizado real, já que este é falado de modo muito rápido. O terapeuta novamente identifica a carga emocional da informação limitada por você sabe ao fornecer um comentário engatado.
Nos dois exemplos, as clientes revelam um material muito particular, potencialmente ameaçador mas construtor de intimidade, que é limitado com você sabe e pausas relevantes. Este MD, de certo modo, atenua a novidade vindoura, freqüentemente uma visão pessoal divulgada publicamente pela primeira vez. Você sabe como um “mitigador” parece ser uma estratégia necessária para que o cliente proteja o seu rosto no contexto de um material íntimo revelado. Como Tannen (1989) observou, contar os detalhes cria intimidade. O que é importante no uso do primeiro tipo de você sabe é a posição interacional do terapeuta, cujos comentários validam o que segue o marcador de discurso, independente de quão chocante possa ser o material revelado.

Em outro exemplo, você sabe constrói a intimidade ao fazer um apelo de compreensão e criando a ênfase na informação enquadrada por ele:

Extrato 3
1 C Bem,(1.0) quando estamos em uma fase realmente difícil e eu >quero< dizer para ela “há algo
2 mais que eu possa fazer?, posso fazer algo para tornar a situação mais suportável”, ela diz: não::, simplesmente pare, simplesmente continue
3 sendo, você sabe (2.0)
4 T o que acontece dentro de você quando ela diz isso?=
5 C = >Eu quero ser digno disso6 humilhação, a depreciação que ela está atravessando, que EU QUERO, EU QUERO, você
7 sabe, Eu (0.5) não posso.
Embora no exemplo acima o MD investigado siga o material íntimo revelado, você sabe aponta para a ênfase do que foi comunicado pelo cliente. Novamente, as respostas do terapeuta ao aspecto emocional da auto-revelação sublinham a sua presença e o envolvimento com o que está sendo verbalizado. As reações do terapeuta ao que precede ou segue você sabe registram esse marcador de discurso como uma estratégia de construção de intimidade. Em suma, o primeiro tipo de você sabe alivia a ameaça ao cliente devido à verbalização de informações extremamente íntimas e ao mesmo tempo constrói intimidade, que caracteriza o discurso da psicoterapia. É preciso observar que você sabe nos exemplos discutidos acima parecer ser um elemento gramaticamente opcional, mas o seu valor interacional no incentivo às confissões dos clientes não pode ser subestimado.
“Você sabe” como disparador da verbalização
O segundo tipo de você sabe encontrado no material das sessões de psicoterapia não funciona meramente como um marcador de discurso (isto é, como um elemento proposicionalmente opcional), mas a sua presença no desempenho verbal de um cliente pode levar à verbalização do previamente “não-expresso”. Aqui, a contribuição verbal do terapeuta e o trabalho de conversação são indispensáveis para que você sabe aja como um disparador de verbalização. O material analisado demonstra dois padrões interacionais nos quais o cliente utiliza você sabe ou a sua forma variante eu não sei e o terapeuta segue com contribuições disparadoras de verbalização (Não, eu não sei +o quê, o que você não sabe?), que funcionam como o segundo elemento do par de adjacência:

Padrão 1
C: …,você sabe.
T: Não, eu não sei + (O QUÊ)
C: MATERIAL VERBALIZADO

Padrão 2:
C: …, eu não sei
T: o que você não sabe?
C: MATERIAL VERBALIZADO
Os padrões observados acima do uso de você sabe formam um intenso contraste com o você sabe tipo um, discutido acima no texto, já que esse MD é respondido pelo terapeuta e prontifica o cliente a expressar a experiência traumática e altamente particular. No primeiro tipo de você sabe, a resposta do terapeuta sublinha a sua sintonia e presença em relação ao que o cliente está dizendo.
A sintonia do terapeuta com aquilo que o cliente está tentando comunicar permite que ele reconheça que o uso de você sabe pelo cliente esconde aspectos bastante difíceis dos scripts de vida, que precisam ser revelados pelo indivíduo para serem material manifesto. Esse material manifesto então pode ser trabalhado pelo terapeuta e pelo cliente. Aqui está um exemplo de como você sabe oculta alguma experiência perturbadora. O “você sabe” do cliente é seguido pela resposta do terapeuta, “não, eu não sei” + “o que”, que leva o cliente a verbalizar mais material:

Extrato 4
1 T: E você revelou alguma das suas vulnerabilidades?=
2 C =Não.
3 T Como você se certificou de que no exército você não revelou qualquer uma das suas vulnerabilidades?
4 C Você se mistura?, fica ? invisível, não ? fala, não mostra qualquer ansiedade, nunca tem medo,
5 xingar, >não beber6 T Não, eu não sei, explique-me.
7 C >oh8 as pessoas que precisa evitar, então:: basicamente cale-se e não revele nada ou será co::nstantemente
9 criticado.

Extrato 5
No exemplo quatro, o terapeuta está envolvido com o cliente na investigação terapêutica sobre os problemas do cliente para integração com o grupo e para descobrir um senso de pertencimento. Nesse ponto, a investigação gira ao redor da experiência do cliente de estar no exército que, como esperado, acaba se revelando uma experiência bastante dolorosa. Ao descrever a sua maneira de sobreviver no exército, o cliente fornece uma lista de “faça” e “não faça”. A entonação ascendente marcada em alguns dos elementos enumerados denota que são apenas alguns dos elementos enumerados denota que estes são apenas alguns itens que poderiam ser expandidos. A lista termina com você sabe, que implica para o terapeuta que por trás desse marcador de discurso há muito mais que precisa ser verbalizado. Contudo, para o cliente, a sua função poderia apenas indicar novo material emocionalmente significativo revelado. Mas essa função é rejeitada pelo terapeuta, que redefine o seu papel ao afirmar “não, eu não sei”, e desse modo tenta obter mais materal relevante terapeuticamente (cf. Hutchby 2002). Por que constitui uma redefinição da função do marcador de discurso investigado? Se você sabe funciona como um elemento de estilo de alto envolvimento, então ele não é respondido cognitivamente. A resposta cognitiva do terapeuta, indicando um potencial falta de conhecimento ou experiência nessa área, desperta a verbalização à medida que o cliente começa a elaborar a partir dessa experiência perturbadora. A elaboração do cliente começa com o dito indicador de resposta inicial (oh) que, como foi explicado por Jefferson (1988: 428), pode marcar um “deslocamento serial da distância para a intimidade”. O exemplo discutido revela como oh marca o início da verbalização posterior do “não-expresso”. Um elemento de experiência verbalizada, ou seja, o fato de ser constantemente criticado, torna-se então uma das questões básicas que o terapeuta e cliente trabalham nessa sessão particular. O quinto extrato possui uma estratégia similar onde o “você sabe” do cliente é respondido pelo terapeuta com “não, eu não sei” que leva a mais verbalização:

Extrato 6
1 C Qu (h)ando eu vejo que el(h) es estão enlou(h)quecendo, você sabe, quando minha mãe ficava louca, ela ficava 2 louca O TEMPO TODO, >não era como se ela pudesse tirar uma folga

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